Juizes e promotores de São Roque protestaram na tarde desta quinta-feira (1°) contra uma das emendas apresentadas no projeto anticorrupção que foi aprovado na madrugada desta quarta-feira (30) pelo plenário da Câmara dos Deputados (veja matéria na página A4). A emenda em questão estipula que juízes e membros do Ministério Público podem responder pelo crime de abuso de autoridade, sob pena de seis meses a dois anos de reclusão.
A medida foi vista por muitos juristas como uma forma de represália as ações tomadas pela Operação Lava jato. “O Poder Judiciário, o Ministério Público e a OAB não podem ser reféns daqueles que não querem ser investigados e nos ameaçam com posturas dignas dos tempos nazistas e de repressão total do Estado”, afirmou o juiz Diego Ferreira Mendes.
Durante a ação, foi lido o manifesto “A Trágica Realidade”, elaborado pela APAMAGIS – Associação Paulista de Magistrados para demonstrar a indignação do Poder Judiciário e do Ministério Público. Veja a reportagem completa através do portal on-line do Jornal da Economia.
A TRÁGICA REALIDADE
“O Brasil acordou com profundo sentimento de pesar no dia 29 de novembro de 2016, perplexo diante de uma tragédia que ceifou os sonhos de jovens profissionais – jogadores, comissão técnica e imprensa esportiva – que representavam muito mais do que um time de futebol e se traduziam na esperança de que é possível vencer, mesmo enfrentando adversários extremamente poderosos, como os principais times de futebol da América do Sul.
Nem ao menos foi dado o direito do luto, apenas encenado por alguns atores da vida política nacional, e logo foi desferido um golpe que pode ceifar os sonhos de todo o povo brasileiro que acredita na Justiça como instrumento de coibir a impunidade.
Parcela importante dos representantes do povo certamente se esqueceram de sua importante missão de legislar em nome do povo e em seu interesse, e se apressaram a instituir instrumentos para ceifar a atividade jurisdicional, ferindo profundamente os poderes instituídos pela Constituição Federal aos membros do Judiciário, do Ministério Público e das polícias.
Durante a comoção social vivenciada pela tragédia acima referida, o Brasil mal se apercebeu da tática que criou mais um inexplicável obstáculo para a realização da Justiça. Sob o manto, quase irônico agora, de combate à corrupção, parcela majoritária dos parlamentares feriram gravemente a independência do Judiciário e do Ministério Público, a pretexto de coibir eventuais abusos de autoridade.
Deliberadamente estes parlamentares padeceram de amnésia seletiva, esquecendo-se de todos os instrumentos a que, os membros do Ministério Público e do Judiciário estão submetidos quando os alegados abusos ocorrem, como as Corregedorias e os Conselhos Nacionais, estes últimos, órgãos de fiscalização externa, em cuja composição prevalece maioria oriunda de fora das referidas carreiras.
Fica absolutamente assente o que foi votado: uma forma de tentar selecionar quais as pessoas que podem ser punidas ou não. Cuidaram os parlamentares de tentar criar salvaguardas para intimidar juízes, promotores e policiais, deixando claro que políticos e poderosos serão dotados de instrumentos para punir os agentes do Estado que ousarem desafiá-los. Sairam das cordas para tentar emparedar os agentes que promovem a Justiça, o que é inadmissível em um Estado Democrático de Direito.
Esse movimento se iniciou antes, com a reprovável campanha de tentar associar à imagem de juízes e promotores salários astronômicos, ainda que para isso criassem uma equação absolutamente artificial. Parte da imprensa não se apercebeu disso e, manipulada pelos que buscam reduzir a efetividade da Justiça, propalou as inverdades.
A liberdade no exercício da missão constitucional da promoção e distribuição da Justiça é tão relevante quanto a liberdade de imprensa. Permaneceremos calados? Não, a sociedade brasileira não merece uma meia liberdade ou uma meia Justiça!
É triste constatar que os ataques apenas cessariam caso o Judiciário, o MP e as polícias se vergassem a interesses muito diferentes dos republicanos, o que obviamente não esteve, não está e nunca estará em pauta pelos juízes e promotores paulistas e brasileiros.
Ainda que a tragédia e o sentimento de perda tenham nos abatido, por mais de uma vez esses dias, há a certeza de que as pessoas que um dia sonharam juntas no passado assim o farão novamente e se reerguerão à estatura que fazem jus.
Assim também será no Brasil. É preciso que todas as pessoas honestas e probas do país se unam e retomem o curso da História, reescrevendo os paradigmas da Justiça uma vez mais e relegando à infâmia aqueles que travestidos de representantes do povo se tornaram tiranos de interesses pessoais e escusos.
Chegou a hora de vencer a dor das tragédias que se abateram sobre o país e virar a página da impunidade que alguns tentam perpetuar em benefício próprio.
Nunca antes em nosso Brasil o povo precisou tanto de Justiça. E, mais do que sempre, a Justiça precisou do povo”.