20/10/2017 às 16h06min - Atualizada em 20/10/2017 às 16h06min

As Funções Executivas e o seu impacto no processo de aprendizagem e na vida

A Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, Profa. Dra. Edyleine Bellini Peroni Benczik, fala sobre as funções executivas na primeira infância

O número de estudos sobre as funções executivas na primeira infância aumentou exponencialmente na última década. Em geral, as publicações específicas sobre o construto indicam que as funções executivas podem ser medidas de forma confiável e válida na primeira infância e a habilidade das funções executivas estão significativamente relacionadas a múltiplos aspectos do desenvolvimento infantil, incluindo os aspectos socioemocionais e escolares. Os estudos tendem a confirmar que o desenvolvimento das funções executivas é um indicador central das capacidades de prontidão para o trabalho escolar. Déficits das funções executivas iniciais podem ser indicadores sensíveis de risco de dificuldades de aprendizado e, talvez, do risco de desenvolvimento precoce de psicopatologia (Blair, 2013).

As funções executivas estão na base de uma ampla gama de pequenas, grandes, complexas e simples habilidades, competências e comportamentos que integrados afetam a vida da pessoa (Benczik, 2014).

É um grupo de habilidades que nos ajuda a focar em múltiplos fluxos de informação ao mesmo tempo, monitorar erros, tomar decisões com base nas informações disponíveis, rever planos, se necessário, e resistir à tentação de deixar a frustração nos conduzir a ações precipitadas.

Sem essas habilidades, não poderíamos resolver problemas complicados e tomar decisões, realizar tarefas entediantes, mas importantes, fazer planos e mudá-los quando necessário, reconhecer e corrigir erros, controlar nosso comportamento impulsivo ou estabelecer metas e monitorar nosso progresso em direção a elas.

Lezak (1908) definiu pela primeira vez as F.E como uma dimensão do comportamento humano e como este é expresso.

Por exemplo, ter autocontrole, seguir instruções em várias etapas, mesmo sendo interrompido, manter o foco no que estamos fazendo, apesar das constantes distrações, direcionado ao objetivo, são habilidades necessárias para a nossa rotina, no trabalho, na escola e em todas as áreas de nossas vidas.

Os psiquiatras do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harward (2014) usaram a seguinte metáfora para explicar o que são funções executivas: Compararam o sistema executivo humano à um sistema de controle de tráfego aéreo em um aeroporto movimentado para gerenciar as chegadas e partidas de dezenas de aviões em várias pistas ao mesmo tempo. O sistema de controle de tráfego aéreo requer a interação de várias pessoas — pilotos, navegadores, controladores, meteorologistas — nosso sistema humano de funcionamento executivo requer que cada tipo de habilidade use elementos do outro. Por exemplo, requer memória de trabalho para manter duas regras em mente e controle inibitório para ignorar uma das regras e mudar flexivelmente entre regras conforme elas se modificarem.

As Funções Executivas operam por meio de redes neurais interativas e sobrepostas, distribuídas no córtex Pré-frontal que fazem conexões com outras regiões do cérebro, como por ex. com o hipocampo e com o córtex parietal posterior. Estas conexões possibilitam que a função mais importante do córtex pré-frontal seja realizada: fazer a integração temporal às ações para o cumprimento de metas (Fuster, 2010, Mourão Jr. e Melo, 2011).

Os subdomínios das funções executivas são responsáveis por vários dos nossos comportamentos

MEMÓRIA DE TRABALHO

ü  Lembrar-se de um número de telefone tempo suficiente para discá-lo;

ü  Lembrar-se de ter colocado sal na comida, antes de ajudar o filho a encontrar o sapato;

ü  Ler um texto e manter na mente as informações, conectar informações de um parágrafo para o outro,  para conseguir interpretá-lo;

ü  Fazer um problema de aritmética com várias etapas, acompanhar os movimentos e decidir um próximo passo em um jogo de damas, seguir instruções com várias etapas sem pistas;

ü  Também ajuda nas interações sociais, como planejar e atuar em uma cena, revezar em atividades de grupo;

CONTROLE INIBITÓRIO

ü  Controla e filtra nossos pensamentos e impulsos para resistir às tentações, distrações e hábitos e parar e pensar antes de agir;

ü  Envolve a atenção seletiva, focada e mantida, priorização e ação;

ü   Impede-nos de fazer qualquer coisa que venha à nossa cabeça;

ü  Nos afasta dos devaneios, faz com que possamos esperar a nossa vez, por ex: “frear a nossa língua” e controlar nossas emoções, mesmo quando estamos com raiva, agitados ou frustrados;

FLEXIBILIDADE MENTAL

ü  Permite-nos encontrar erros e corrigi-los, rever as formas de fazer as coisas conforme as novas informações, considerar algo a partir de uma nova perspectiva;

ü  Capacidade de mudar agilmente as engrenagens e ajustá-las para atender as prioridades.

ü  Autocontrole e persistência são ativos, a rigidez não é.

ü  Tentar estratégias diferentes quando estão resolvendo um conflito

No contexto escolar, os professores identificam nos alunos, problemas de atenção, dificuldades para administrar emoções, para concluir tarefas, e para comunicar verbalmente desejos e necessidades, como sendo os principais determinantes para saber se uma criança está pronta para ser bem-sucedida no processo de aprendizagem.

Imagine uma sala de aula onde algumas crianças não são capazes de controlar seus impulsos, esperar a sua vez, manter o foco em seu trabalho ou lembrar-se de instruções.  Mesmo que seja apenas duas crianças com prejuízos nas habilidades de funções executivas, a sala de aula inteira pode tornar-se desorganizada e um tempo precioso será perdido; Isso pode ter um impacto profundo sobre o clima geral da sala de aula e, é frequentemente relatado pelos professores como motivo de exasperação e explosão.

Ir para a escola com uma base sólida de funções executivas fundamentais é mais importante do que a criança conhecer letras e números.  A memória de trabalho é o melhor preditor de sucesso acadêmico, mais do que os escores obtidos nos testes de Q.I (Dendy, 2011).

E, há fortes evidências entre Funções Executivas e aprendizagem escolar. As habilidades de selecionar, organizar, planejar, elaborar, reter e transformar a informação relevante são necessárias à aprendizagem (Corso, Sperb, Jou & Salles, 2013). As Funções Executivas são preditores de bom desempenho em linguagem e matemática (Duncan et al, 2007).

Os déficits de Funções Executivas são a causa primária de fracasso escolar (Dendy, 2011).

Já, no ambiente familiar, os pais de crianças com prejuízos das Funções Executivas, por sua vez, descrevem uma rotina familiar estressante, pois as tarefas mais simples podem se tornar uma missão quase impossível do filho realiza. Tomar banho, escovar os dentes, sentar para as refeições, de se preparar para dormir, pegar no sono e fazer as tarefas de casa.

Os pais tendem a reagir com maior direcionamento, controle, sugestão, encorajamento e, finalmente, raiva.

A certa altura, pode resultar nos pais frustração e exasperação devido a repetidas ameaças e diretivas (Benczik e Casella, 2015).

As crianças que têm problemas com as habilidades de funções executivas – não só têm problemas na escola, mas também enfrentam problemas para seguir instruções em geral e têm maior risco de apresentar comportamento agressivo e de confronto com adultos e outras crianças. (Hill et al., 2006; Eisenberg et al.,1994).

Dessa forma, a alteração das funções executivas e a falha na autorregulação promovem grande interferência no bem-estar dessas crianças, bem como na de sua família, acarretando prejuízos em vários domínios da qualidade de vida e nos fatores psicossociais relacionados aos aspectos comportamentais, sociais, escolares e familiares (Benczik & Casella, 2015).

As habilidades das Funções Executivas não se desenvolvem automaticamente com a maturidade e com o tempo, o seu desenvolvimento segue um cronograma extenso, que começa na primeira infância e continua na adolescência e, constitui a base comum sobre a qual a aprendizagem e as habilidades sociais iniciais são construídas.

As capacidades das crianças para reter e usar novas informações, focar atenção, controlar impulsos e fazer planos são adquiridos durante a primeira infância, mas a gama completa de habilidades de funções executivas continua a se desenvolver na adolescência.

Para Diamond et al (2007),  alguns componentes de F.E como atenção seletiva, flexibilidade cognitiva e planejamento atingem a sua maturidade mais tardiamente se comparadas às demais habilidades de funções executivas. Há grandes diferenças individuais na capacidade de as crianças organizarem essas habilidades em desenvolvimento. As habilidades de funções executivas continuam a amadurecer até o início dos 30 ou 40 anos (Barkley, 2011) 

As habilidades de funções executivas são blocos de construção cruciais para o desenvolvimento inicial das capacidades cognitivas e sociais.

As diferenças normativas na natureza e no ritmo das trajetórias de desenvolvimento individuais quanto os impactos de adversidades significativas afetarão a forma pela qual o desenvolvimento do funcionamento executivo irá se apresentar em uma determinada criança.

As várias intervenções focadas no apoio ao desenvolvimento de habilidades específicas da função executiva têm demonstrado eficácia no curto prazo, com a prova crescente de que elas podem também ter impactos sobre outros aspectos da aprendizagem (Diamond, A., & Taylor, C,1996; Greenberg, M.T., Riggs, N. R. & Blair, C. ,2007;  Rothbart, M.K., Posner, M.I., & Kieras, J. 2006)..

A importância vital dessas habilidades e de seus efeitos sobre a aprendizagem deixa claro que os pais, cuidadores e formuladores de políticas educacionais precisam estar cientes sobre a grande importância das Funções Executivas.

São essenciais o desenvolvimento de Políticas e programas Educacionais que foquem nas habilidades de funções executivas e nas habilidades sociais desde os anos pré-escolares para que possam garantir melhores resultados no futuro, bem como projetos e programas de orientação e treinamento para pais e professores.

Cantiere et al (2012) desenvolveram um Protocolo para desenvolvimento das Funções Executivas, envolvendo tarefas com caráter lúdico e de treino cognitivo: organizar figuras, tangram, caça palavras, jogo de sete erros, labirinto,  desenho animado, contar e recontar histórias, ligar os pontos, construção de histórias, construção de blocos, dominó baseado em imagens e contas matemáticas, quebra cabeças, achando os opostos, sudoku com imagens  e jogos de memória.

Outras possibilidades para o desenvolvimento das Funções Executivas são: dar um final diferente à uma história, inverter a sequência de numeros, soletrar uma palavra de tras para frente, jogos de xadrez, dama, Uno, Rammikub, Senha, Hora do Rush, Pega Varetas, Resta 1, programas computadorizados como CogMed, aplicativos como Sr Symon, Fit Brains Trainer, Programas que podem ser implantados em escolas como Piafez, Método Glia, O Líder em Mim, Projeto Pipa e também participar de atividades fisicas em equipe, praticar Yoga e o Mindfulness.

Dada a natureza altamente interrelacionada das capacidades das Funções Executivas, não existe uma única proposta de intervenção.

São necessárias mais pesquisas sobre os subdomínios das Funções Executivas que permitam desenvolver uma abordagem preventiva e que auxiliem os alunos a alcançarem níveis mais adequados de funcionamento executivo, bem como proporcionar aos educadores novas práticas de ensino (Benczik, 2014).

Profa. Dra. Edyleine Bellini peroni Benczik

Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP

Mestre em Psicologia Escolar pela PUCCAMP

Psicóloga-Neuropsicóloga-Psicopedagoga

Coordenadora do curso de Psicologia da FAC São Roque/SP

Proprietária do Psiquê – Núcleo de Neuropsicologia Aplicada

Av. Tiradentes, 200 – centro – São Roque – SP – 11 -4712-5870

 

 

Barkley, R (2011). The Barkley Deficits  Deficits in Executive Functioning Scale Barkley,  New York: Guilford Press.

Benczik, E.B.P (2014) Funções Executivas e aprendizagem: Um ponto de vista neuropsicológico IN: Martins, M. A; Cardoso, M.S e Capellini, S.A. Tópicos em Transtornos de Aprendizagem – Parte II, PP. 41-57. Fundepe Editora. Marília/SP.

Benczik, E.B.P e Casella, B. C. Compreendendo o impacto do TDAH na dinâmica familiar e as possibilidades de intervenção. Rev. psicopedag.,  São Paulo ,  v. 32, n. 97, p. 93-103,   2015 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862015000100010&lng=pt&nrm=iso>.

Blair, C. (2013). As Funções Executivas na Sala de Aula. NYU Steinhard, EUA

Cantiere et al, 2012. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v.12, n.1, p. 98-107, 2012 

Corso, H.V; Sperb, T.M.; Jou, G.I; Salles, J.F (2013). Metacognição e Funções Executivas:

Relações entre os Conceitos e Implicações para a Aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Jan-Mar. Vol. 29 n. 1, pp. 21-29

Dendy, C.A.Z (2011). Teaching Teens With ADD, ADHD & Executive Function Deficits: A Quick Reference Guide for Teachers and Parents 2nd Revised Edition. Woldbine House Ed.

Diamond, A., & Taylor, C,1996; Greenberg, M.T., Riggs, N. R. & Blair, C.,2007;  Rothbart, M.K., Posner, M.I., & Kieras, J. 2006.

Diamond, A., Barnett, W. S., Thomas, J. & Munro, S. (2007). Preschool program improves cognitive control. Science, 318(5855), 1387-1388.

Duncan, G. J., Dowsett, C.J., Claessens, A., Magnuson, K., Huston, A. C., Klebanov, P., Pagani, L. S., Feinstein, L., Engel, M., Brooks-Gunn, J., Sexton, H., Duckworth, K e Japel, C. (2007). School readiness and later achievement. Developmental Psychology, 44(1), 232-232.

Fuster, J.M. (2010)- Neuroanatomia funcional do processo executivo. O Manual de Neuropsicologia Clínica. Second Edition. JM Gurd, U. Kischka e JC Marshall (Eds.), Oxford University Press pp 822-833, 2010. 

Lezak, M. D., Howieson, D. B. & Loring, D. W. (2004) Neuropsychological assessment. New York: Oxford University Press.

Mourão Jr. C.A e Melo, L.B.R (2011). Integração de Três conceitos: Função Executiva, Memória de Trabalho e Aprendizado. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Jul-Set, V.27 n.3, pp.309-314.


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