21/10/2016 às 15h40min - Atualizada em 21/10/2016 às 15h40min

Impactos do uso da tecnologia no desenvolvimento infantil

Texto: Patrícia Maria Torres Marchetti de Góes - Foto: Reprodução/Internet
Texto: Patrícia Maria Torres Marchetti de Góes - Foto: Reprodução/Internet

Quem se lembra das brincadeiras de infância: pular corda, brincar de amarelinha, esconde-esconde, pega-pega? Hoje em dia, essas brincadeiras já não fazem mais parte do cotidiano das crianças e, muitas vezes, são vivenciadas apenas na escola em projetos de resgate à cultura popular. Até mesmo a bola e a boneca, os patins e a bicicleta estão sendo esquecidos e substituídos pelos dispositivos eletrônicos. Qual será o impacto dessa mudança no desenvolvimento infantil?

Atualmente, a tecnologia é o alicerce das relações sociais e está presente em quase todas as nossas atividades da vida diária. Antes mesmo de ir para a escola e ser alfabetizada, muitas crianças já sabem manusear tablets, ios, androids e encontrar palavras-chave que as levam para o mundo da diversão. Outras aprendem a escrever o próprio nome no computador de casa, mas não conseguem grafar no caderno da escola.

Essa ação, que muitas vezes é vista com bons olhos pelos pais, pode se tornar uma fonte de aprendizagem perigosa para as crianças. Quando entregamos um dispositivo eletrônico com acesso ilimitado à internet em suas mãos, elas recebem também acesso livre a diversas informações e monitorá-las é fundamental. Uma criança de 02 anos já é capaz de acessar aplicativos de vídeos para ver os filmes da Peppa, da Masha, do Patati Patata, pois os conteúdos mais vistos geralmente ficam salvos no histórico. Porém, outros conteúdos também estão disponíveis nestes aplicativos. E num toque, vídeos com cenas inadequadas para idade, com conteúdos e linguagens inapropriadas, começam a ser visualizados e copiados pelos pequenos.

Temos observado nas brincadeiras da infância atitudes e vocabulários que não condizem com a idade. E, grande parte desses conteúdos pode estar sendo aprendida nesse ambiente virtual não monitorado pelas famílias. Assim como, notamos o aumento das brincadeiras de lutas e disputas que são uma tentativa de representar os personagens e jogos virtuais para a realidade. Faz-se necessário acompanhar o que as crianças e jovens estão assistindo e acessando na internet e verificar a censura indicada em cada um deles. Já existem aplicativos que monitoram ou bloqueiam alguns conteúdos da internet e impedem o diálogo com estranhos e o fornecimento de informações pessoais.

Como muitas vezes os jogos eletrônicos não precisam de companhia para se brincar, as crianças estão perdendo o contato com grupo e não fazem mais interações sociais. Além disso, as amizades reais estão sendo substituídas pelas amizades virtuais. E não são os amigos de outras cidades ou países, mas sim, os personagens criados pelos desenhos, filmes ou jogos eletrônicos. Podemos notar também uma interferência na expressão de sentimentos e desejos. Elas preferem entrar no seu mundo virtual e acabam isolando-se em casa, no quarto, já que esse mundo as satisfazem.

Por outro lado, sabe-se que as crianças que utilizam a tecnologia no seu dia-a-dia tendem a ser mais inteligentes e utilizam o recurso verbal de maneira surpreendente, uma vez que possuem acesso a diversas informações e enriquecem seu vocabulário. Dessa forma, não devemos abolir o uso dos recursos tecnológicos. Torna-se necessário orientar os pequenos quanto ao seu uso para que esses dispositivos e o acesso livre às informações possam contribuir de forma positiva e servir como um aliado no processo de desenvolvimento.

Além dos impactos no desenvolvimento emocional e social, podemos observar influências negativas na aprendizagem acadêmica das crianças. De acordo com a Dra. Ana Luiza Navas, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o uso sem limites das tecnologias e o acesso à internet tem impactado na aprendizagem da leitura e da escrita. Ao ler um texto no dispositivo eletrônico, muitas vezes o leitor não chega ao final do texto, pois é convidado a abrir inúmeras abas que o levam a outros conteúdos. Dessa forma, o nível de compreensão textual fica reduzido e a capacidade de leitura comprometida.

Outro impacto na aprendizagem é a perda da habilidade de escrita manual. As capacidades psicomotoras necessárias para o desenvolvimento da coordenação motora fina, habilidade necessária para uma boa grafia e que antes eram desenvolvidas nas atividades físicas e recreativas, não estão sendo trabalhadas e o ato de escrever está sendo substituído pelo de teclar. Até mesmo a aprendizagem da escrita correta das palavras está sendo comprometida. Além da correção automática das palavras pelo corretor ortográfico, presente em quase todos os aplicativos, a internet e os usuários da rede social compreendem o que está escrito mesmo com a ortografia incorreta.

Como podemos perceber, o uso indiscriminado da tecnologia e o acesso livre à internet na infância podem causar diversos impactos no desenvolvimento físico, emocional, social e cognitivo da criança. A desconstrução dos laços familiares, o comprometimento do desempenho escolar, a dependência e incapacidade de lidar com frustações e o aumento da ansiedade são alguns dos exemplos. Manter o diálogo com as crianças, explicando os motivos pelos quais é preciso ter cautela e esclarecendo suas dúvidas, pode evitar muitos contratempos.

É preciso estabelecer regras e combinados para não ocorrer exageros na hora de utilizar os dispositivos eletrônicos e acessar a internet. Mas fica uma questão: será que os pais e familiares também não estão gastando muito tempo nestes dispositivos e deixando de lado os momentos de interação com as famílias? O exemplo é a maior fonte de aprendizagem.

Patrícia Maria Torres Marchetti de Góes

Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFMG, graduada em Psicologia- UFMG, pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional - UEMG e pós-graduada em Infância, Cultura e Práticas Educativas - FUMEC.

Coordenadora Geral no Colégio CB COC


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