10/10/2019 às 00h00min - Atualizada em 10/10/2019 às 09h37min

Coringa é uma das grandes obras primas do ano

Joaquin Phoenix brilha ao dar uma visão mais humana e trágica ao vilão

- Fotos: Reprodução / internet
Da Redação: Rafael Barbosa

Coringa é provavelmente um dos filmes mais "pesados" do ano. O longa que conta a história do arqui-inimigo do Batman é o primeiro filme de uma nova abordagem da DC Comics, com projetos mais autorais, onde diretores possam dar a sua versão de heróis e vilões sem as amarras de um universo compartilhado.

Uma escolha forçada, é verdade, afinal a Warner não conseguiu emplacar seu próprio universo compartilhado de heróis, sendo obrigada a voltar para a tática que já empregava antes, com seus supers muito bem estabelecidos em próprios, cada um no seu “quadrado”.

Um caminho que pode não render os bilhões e a empolgação que os filmes da concorrência fazem, mas que dá a liberdade de contar uma história sem amarras e fora de fórmulas pré-estabelecidas, o que é sempre “um prato cheio” para que se crie verdadeiras obras de arte, como este longa sobre o "palhaço do crime".

Coringa é um filme único. Não existe nada como ele no mercado e não digo isso só pelo fato de estarmos acompanhando o surgimento de um vilão, algo que vai na contramão dos últimos anos de filmes de super-herói, mas porque o longa retrata está jornada com a densidade e brutalidade que seu personagem merece.

No filme, acompanhamos a história de Arthur Fleck, um homem atormentado e que ganha a vida como palhaço, enquanto tenta emplacar uma carreira como comediante Stand Up. Brutalizado pela falta de oportunidades e pela violência de uma Gotham City que caminha rapidamente para a calamidade pública, o protagonista tenta manter a sanidade enquanto cuida de uma mãe doente e tenta conviver com a Síndrome Pseudobulbar, doença que faz com que ria de forma incontrolável quando exposto a fortes emoções. Porém, uma série de fatos trágicos começam a ocorrer em sua vida e fazem com que Arthur inicie uma trajetória sem retorno rumo a insanidade.

Uma cidade insana

Dirigido por Todd Phillips, que deixa comedias como “Se Beber Não Case” para se dedicar a projetos mais sérios, o longa rapidamente estabelece seus dois protagonistas: o personagem título do filme e a sua cidade.

Gotham City se torna parte fundamental da narrativa do filme por ser, em grande parte, a responsável pelo surgimento de seu vilão. Prestes a despencar no caos, a cidade vive uma onda de desemprego e falência dos serviços públicos, deixando seus habitantes vulneráveis não apenas a doenças e a falta de sustento, mas também a ação de criminosos cada vez mais brutais.

Uma situação que é constantemente apresentada pelo filme de diversas formas, seja através de programas de televisão, que nos dão um panorama sobre o momento atual da cidade, através dos acontecimentos diretos retratados no longa (como a cena em que Arthur é espancado no início do longa). A fotografia também faz sua parte para mostrar a degradação da cidade que, um dia abrigará o Cavaleiro das Treva, retratando a cidade sempre através de grandes planos que mostram ao espectador ruas sujas, placas de desemprego e a situação muitas vezes degradantes em que seus habitantes vivem.

Uma abordagem que combina muito bem com a estética do filme, que dá preferência a cenários com pouca iluminação, onde Todd Phillips retrata sua cidade eternamente consumido por climas nublados e com cores sempre lavadas, mostrando a melancolia e falta de esperança de seus habitantes.

E no centro deste turbilhão urbano está um Arthur Fleck vivido por Joaquin Phoenix no melhor papel já vivido pelo ator até o momento.

A construção de um vilão

Retratado no início da produção como um homem claramente perturbado, mas que tenta seguir sua vida apesar das mazelas sociais e mentais que o acometem, o protagonista do filme é uma figura de dar pena tanto no público, quanto nos outros personagens do filme, que o tratam com indiferença ou claramente tentam abusar dele.

O homem que irá se tornar um dos vilões mais sanguinários e sádicos da cultura POP é aqui alguém claramente infeliz e que parece carregar o mundo sobre os ombros, estando constantemente a beira de despencar sobre todo este peso, e Fênix usa sua concepção de personagem para evidenciar estes elementos de roteiro. Com um porte esquelético e que parece quase deformado em alguns momentos do filme, como se o personagem fosse tão quebrado fisicamente quando mentalmente, Artur tem um andar quase desengonçado, com os ombros caídos, a cabeça baixa e um olhar que migra entre o perdido e o desespero.

E no topo de sua atuação está a forma como seu personagem retrata a sua síndrome de risada incontrolável. Com um riso quase infantil, o ator causa um desconforto toda vez que gargalha, porém enquanto o som sai de sua boca, é através de seus olhos que ele transmite toda a vergonha, desespero e tristeza que seu personagem sente nestes momentos. Sentimentos que são acentuados pela forma como o personagem tenta se controlar inutilmente, agarrando a própria garganta ou colocando os braços sobre a boca durante suas risadas patológicas, o que somente da mais dramaticidade a cena e profundidade a ele.

Inserir a Síndrome Pseudobulbar no filme é uma ideia simplesmente genial, pois  inserir está patologia não apenas da dramaticidade ao personagem, como estabelece elos surpreendentes com a própria história do vilão. Ao apresentar um homem que não consegue deixar de rir e que sofre por isso, o longa estabelece uma conexão direta com o filme “O Homem que Ri”, clássico do cinema mudo de 1928 e cujo personagem foi uma das inspirações para a criação do Coringa nas HQs.

Porém conforme o longa segue e vemos este personagem percorrer o caminho que o levará a loucura, também o vemos ganhar confiança e força, elementos que são evidenciados não apenas através da atuação de Phoenix, mas também pela direção de fotografia do filme, que estabelece passagens de forma muito marcante através do seu uso de cores. O longa começa retratando Arthur sempre envolto em fortes tons de amarelo, retratando sua introspeção e instabilidade psicológica, porém cada vez que um evento o deixa mais perto de se tornar o vilão que conhecemos, a cena seguinte mostra uma divisão de cores entre o amarelo e o verde, que tomam a tela em montagens que começam a ocorrer de forma cada vez mais frequente ao longo do filme, até que o verde toma toda projeção e vemos o personagem finalmente assumindo o papel de vilão.

“Pode me apresentar como Coringa?”

E quando vemos o Coringa surgir em tela, a mudança é extraordinária, pois vemos um outro personagem entrar em cena. Os traços de fragilidade que Phoenix conferia a Arthur Fleck somem e dão lugar a confiança de um homem que passa a ser dotado de uma crueldade visceral, porém também carismático e que transmite uma mensagem que pode soar atrativa a algumas pessoas. Envolto em cores vermelhas (que simbolizam ao espectador o quão perigoso ele se tornou), o coringa deste filme é uma figura trafica, um homem disposto a cometer atitudes absolutamente bárbaras, mas que encontra a felicidade em sua própria liberdade. Ao descobrir que nunca havia sido feliz em toda a sua vida porque não tinha avaliado a “piada que o mundo é” pelo ângulo certo, ele encontra o seu sentido de vida, mesmo que isto o afaste totalmente de qualquer moralidade humana, não se importando se os outros não entenderem a anedota, como ele mesmo chega a dizer em determinado momento.

Centrado unicamente em seu protagonista, o filme trabalha seus atores secundários de forma interessante, pelo pouco destaque que dá a eles em tela. Repare como nenhum deles tem cenas marcantes ou como você nunca sabe muito sobre eles, sendo que alguns são estabelecidos as vezes como personagens de uma única característica. É quase como se o longa não tivesse atores coadjuvantes, retratados pelo filme como figuras passageiras que em determinado momento passaram pela vida do protagonista, o que combina perfeitamente com um filme cujo personagem principal sofre de instabilidade mental, muitas vezes vivendo em um mundo só seu, fora da realidade, assim das demais pessoas ao seu redor.

Uma mensagem crítica sobre a veiculação de notícias na mídia, através das manchetes de jornal que mudam ao longo da projeção sobre a forma como retratam o vilão, Coringa é um filme dubio em diversos pontos, que critica diversos aspectos de nossa sociedade, mas que procura não ter uma opinião clara nem mesmo sobre a origem de seu personagem título. Um filme que pode não estar no universo compartilhado da DC, mas que com certeza já é um dos melhores projetos baseados em um personagem das HQs.


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