29/06/2019 às 12h00min - Atualizada em 04/07/2019 às 15h21min

Chernobyl retrata os horrores e a política envolvida no maior acidente nuclear da história

Mini-série da HBO veio com várias polêmicas

- Fotos: Reprodução / internet
Da Redação: Rafael Barbosa

Chernobyl chegou causando um grande furor no mundo do entretenimento. A atração do canal HBO ainda é o programa mais bem avaliado da história do IMDB (portal que agrega avaliação de filmes e séries) com uma nota 9,7 de 10, o que o coloca à frente de franquias de enorme sucesso como Band of Brothers (9,5), Breaking Bad (9,5) e Game of Thrones (9,4). Um sucesso que infelizmente também causou muita revolta de alguns, principalmente por parte do governo Russo, tanto que um canal do país informou que irá fazer uma série contando sua própria versão do acidente ocorrido em 1986.

Ambas as reações à minissérie são absolutamente compreensíveis, já que a atração do canal americano é realmente um dos programas mais interessantes e chocantes dos últimos anos, embora também passe longe de ser imparcial em sua análise histórica, algo que a própria atração faz questão de deixar claro.

A série retrata as consequências do acidente nuclear ocorrido na cidade de Chernobyl entre os dias 25 e 26 de abril de 1986, mostrando não apenas os motivos responsáveis pelo desastre que vitimou milhares de pessoas, como também todo o trabalho de contenção após a tragédia, que poderia ter tomado proporções continentais, e a tentativa do governo Russo em tentar abafar o caso.

Contando com uma produção de ponta, a série é minuciosa em seus detalhes e retrata de forma meticulosa a Rússia dos anos oitenta. Desde a vestimenta dos personagens até as ambientações retratadas no programa, com um destaque para a pequena cidade e usina de Chernobyl, a trama nos arrebata rapidamente para uma viagem ao passado, em uma jornada que assume um tom melancólico e triste devido a utilização de cores lavadas e sem vida, o que combina perfeitamente com o tom da série em retratar uma tragédia desta magnitude.

Uma recriação fiel que ajuda a dar credibilidade à narrativa da atração, que assume sim um aspecto parcial em sua narrativa, chegando em alguns momentos a fazer críticas muito claras ao governo russo da época, ao citar baixos investimentos em ações de segurança da usina nuclear, até uma fala que aborda a obsessão de uma nação fragilizada em não demonstrar fraqueza diante do mundo.

Uma crítica que não fica apenas nos diálogos e que também faz um julgamento através de sua fotografia e ambientações, que por um lado buscam retratar pessoas que estão sempre vestindo uniformes ou roupas parecidas, reforçando o símbolo de unidade propagado pelo governo soviético, mas por outro mostra os contrastes nas vidas de pessoas pertencentes a diversas classes sociais. Se em um momento vemos uma cena mostrando mineradores sujos e que vivem em condições precárias, depois a atração se foca à grandiosidade em que a alta classe política vive, com suas vestimentas sempre bem alinhadas e seus escritórios imponentes e luxuosos. Uma escolha que embora retrate muito bem a época onde a trama se passa, também serve para desnudar a hipocrisia de um país que tentava convencer que todos eram iguais aos olhos da mãe Rússia.

Porém apesar da óbvia colocação crítica, a minissérie consegue ser extremamente fiel em sua abordagem dos fatos. A série escrita por Craig Mazin, que surpreendentemente era conhecido por comédias como Se Beber Não Case 2 e 3, consegue retratar de forma muito didática o que causou o acidente e suas consequências, porém o grande acerto do roteirista é focar-se primeiramente no fator humano da tragédia para depois apresentar os aspectos técnicos do incidente.

Começamos acompanhando os momentos a partir do incidente, para então passarmos a seguir a trajetória de diversos personagens que tiveram participação efetiva no ocorrido como os bombeiros que realizaram o salvamento as primeiras vítimas, os moradores da pequena cidade, os diretores da usina, até os cientistas e altos membros do governo encarregados do caso após o acidente.

Pontos de vista que nos dão perspectivas diferentes sobre o acidente, desde a insensatez e soberba de cientistas e executivos mais preocupados com a própria carreira do que em cumprir prazos, passando pelo desespero de pessoas que se viram morrendo ou envolvidas em uma tragédia que nem mesmo entendiam, até o trabalho de heróis anônimos que deram suas vidas para salvar a de milhares de pessoas.

Mas, mais do que apenas dizer, a série consegue mostrar as implicações do acidente nuclear, retratando os efeitos da radiação em seres humanos, o que rende alguns momentos graficamente impressionantes, mas também episódios que se tornaram famosos, como o trabalho de mineiros para evitar a propagação da radiação ou o extermínio de animais domésticos na cidade evacuada devido ao acidente.

Ações que muitas vezes trazem cenas memoráveis e atuações incríveis, principalmente dos atores Jared Harris, Stellan Skarsgård e Emily Watson, que foram o principal trio da atração. Harris tem uma atuação impecável como Valery Legasov, fazendo jus ao papel de maior responsabilidade da série, já que é ele o responsável não apenas por explicar o que ocorreu na cidade russa a seus companheiros e, consequentemente ao público, como também recai sobre seus ombros o apoio à maior parte do apelo dramático da série. O personagem real é o único que tem completa ciência de tudo o que ocorre, do perigo que ele e outros se colocam ao tentar e o semblante sempre preocupado e tenso do ator consegue retratar a gravidade do que ocorre a sua volta.

Chernobyl coloca o fator humano em primeiro lugar, entretanto isto não quer dizer que não consiga passar com propriedade a gravidade do incidente, embora busque fugir de explicações complexas, recorrendo regularmente a explicações básicas e algumas vezes utilizando exemplos quase infantis, porém que cumprem sua função didática e deixam muito claro o perigo envolvido no desastre e as proporções colossais que poderia ter alcançado.

Porém por mais que se foque no fator humano e consiga transmitir com veracidade às consequências de um dos fatos históricos mais tristes da história, Chernobyl é uma série essencialmente política. Todas as passagens da série buscam retratar os diversos tramites políticos envolvidos no episódio, retratando não apenas as ações do governo em tentar conter os estragos enquanto buscava encobrir todo o incidente, até a forma como o governo russo tentou se isentar da culpa ao jogar toda a responsabilidade do ocorrido a algumas poucas pessoas.

Uma abordagem que poderia se tornar maçante facilmente, mas que se torna extremamente interessante por deixar as reuniões em gabinetes para pontos chaves e levar os fatos políticos envolvidos no incidente para dentro da tragédia, através de ações de espiões, diálogos entre os personagens e incidentes que revelam como a mão do governo soviético esteve sempre presente durante um dos ocorridos mais terríveis da história.

Chernobyl é uma série complexa, mas apesar de seu teor parcial, como qualquer obra que mistura ficção e realidade, ele se torna um dos programas mais importantes dos últimos anos pela abordagem histórica e o respeito com que retrata um desastre que não pode ser esquecido no tempo.


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