Não esqueço uma cena que vi certa vez em um comércio são-roquense. Uma pilha de lantejoulas coloridas brilhava na prateleira e um menino de, aparentemente, dois anos se aproximou dela; nada incomum, pois, cá entre nós, qualquer criança se atrairia pela incrível paleta de cores ali exposta. O que ocorre em seguida é assustador: um pai, tomado pela sua masculinidade, testosterona e ignorância arranca o menino de lá e começa a gritar com ele. ISSO É COISA DE MULHER.
Até hoje esse acontecimento me deixa incrivelmente inquieta, pois, temo que daqui cinco anos encontre esse mesmo garoto e seu pai, dando risadas de piadas sobre mulheres loiras/no volante; temo que daqui dez anos saiba que esse mesmo menino insulta os colegas que não são masculinizados o bastante; temo que daqui vinte anos saiba que ele não respeitou o “não” de uma menina; temo que daqui trinta anos ele tenha um filho e grite com ele quando, com apenas dois anos, se interessar por objetos coloridos, como qualquer criança.
Diante de tanta preocupação, ainda é possível ter esperança. O pai pode ter enxergado seu erro, pedido perdão e abraçado seu filho; pode ter lhe ensinado que homens não tão masculinizados não são menos humanos; pode ter lhe dito que nunca é legal fazer piadas com os outros; pode ter lhe ensinado que deve-se sempre respeitar a vontade dos outros; pode ter lhe ensinado a ser uma pessoa de bem e não um gênero ou um sexo. Apenas um ser humano.