14/10/2015 às 15h51min - Atualizada em 14/10/2015 às 15h51min

Como era verde o meu vale

- Foto: Reprodução/Internet
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Nos escritos do século XVII já se encontra menção ao encanto do Vale do Carambeí, pelo próprio fundador da cidade, que escolheu muito bem o lugar onde iria erguer sua casa, sua capela. Sábio, o Vaz Guaçu. Um relevo caprichosamente trabalhado pela natureza, uma vegetação esplendorosa, e dois riachos a correr, cantando, enchiam de beleza os olhos dos indígenas, dos bandeirantes, e, depois, dos imigrantes e de todos os que chegavam ao vale. Ainda por muito tempo a beleza foi preservada.

A mão do homem entrava discretamente, compondo a paisagem. O contorno verde dos morros continuava emoldurando o quadro da cidade.Meu avô, ainda no último quarto do século XIX, escrevia aos parentes da Itália: "Estou vivendo em uma região encantadora, que não precisa invejar as paisagens da nossa Toscana. É bonita por natureza."Até há bem pouco tempo alguns ônibus traziam como legenda esta última frase. Alguém descobriu, ou reinventou, parabéns.

Mas, enquanto a Toscana continua encantadora, o Vale do Carambeí, em velocidade espantosa, vai perdendo a sua beleza. É claro que ninguém se opõe ao progresso. Mas também ninguém tem o direito de instalar-se onde achou bonito, para se acomodar de qualquer jeito, justamente para enfeiar. Não se pode ter a ideia de que somos donos de um pedaço de terra, e pronto. Temos que pensar no entorno. No que cobrimos, no que sujamos, no que destruímos, no que invadimos. No espaço, que não é nosso, é de todos. Temos que pensar nos espaços. Temos que pensar na beleza que precisamos retribuir ao lugar. Temos que entender que fazemos parte de um todo, é preciso respeitar.

 Nossa propriedade sobre um pedaço de terra não nos dá a projeção até o céu, nem até o horizonte. Mas, com a tecnologia moderna, nada há de mais fácil do que destruir. Nada mais fácil do que construir mal. Não se destrói apenas a vegetação: também o relevo, as colinas, as ondulações da terra. Terraplenagens que mutilam a topografia.  Casas que sobem e descem dos morros como bem entendem, sem que se obedeça a nenhum  planejamento, nenhuma preservação, nenhuma legislação. Alguns poucos procuram acrescentar beleza à paisagem, pouquíssimos.  Uma indústria invasora levanta frontões para competir com o belíssimo Saboó, que, por sinal, merece a luta por um parque, não municipal, mas nacional, dada a sua beleza e a proximidade com a capital do estado. Antes que destruam o Saboó, é melhor preservá-lo, em um grande e maravilhoso parque natural.

Mais além, uma rodovia corta uma fatia do mais bonito morro da cidade como se fosse um pedaço de bolo de areia, sem ao menos recuperar bem o verde. Por que não há respeito aos planos pré - estudados e firmados por governantes competentes? Por que não se contratam profissionais inteligentes para planejar a urbanização? Eles existem, sim, muitos, inclusive entre os mais jovens. Por que não se criam exigências maiores no campo da construção? Por que não se protegem e aproveitam áreas verdes, urbanas, para criar  beleza, e salubridade, e convivência?

Se precisamos crescer, porque hoje todo mundo acha lindo morar em São Roque, construir e (principalmente) vender moradias em São Roque, usufruir do clima e da paisagem de São Roque, então que se pague o preço da preservação. Porque senão em pouco tempo não haverá mais morros verdes, e será outro o clima, enquanto a invasão imobiliária de baixo nível enriquece, as favelas proliferam, e a infraestrutura da cidade estoura.Acho que seria muito otimismo pensar que nossos homens públicos entendem dessas coisas. Mais ainda, supor que podem preocupar-se com elas. As preocupações são voltadas para outros interesses. Mas acho bom que os cidadãos conscientes se preocupem todos, pelo menos liderados por aqueles que amam a sua terra, e são preparados, e estudam, e observam, e admiram, e viajam, e comparam, e valorizam o seu chão, ou, simplesmente, por aqueles que vivem o progresso tecnológico em harmonia com a natureza.

Quem sabe? Talvez sejamos "uma voz que clama no deserto". Mas seremos porta-vozes dos que se preocupam com a beleza do Vale do Carambeí, porque não temos o direito de esculhambar a natureza. Se alguém pensa que tem esse direito, ainda mais nos dias de hoje, é caso certo de isolamento e exílio, obrigatórios. Continua valendo o que disse Vinicius de Moraes :" Beleza é fundamental. Podemos, com certeza, colocá-la entre as necessidades básicas do Homem, como ser racional”.

 

NICEANA


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