21/04/2020 às 15h00min - Atualizada em 21/04/2020 às 15h00min

Enfermeira relata o dia a dia de uma UTI com pacientes infectados pela Covid-19

A profissional do hospital Royal Free, em Londres, deu entrevista à BBC

- Foto: EFE / EPA / Friedemann Vogel
Fonte: Portal G1

A enfermeira-chefe Juanita Nittla, da UTI do hospital Royal Free, em Londres, deu entrevista à BBC e falou sobre sua experiência, contando o drama que vivem os pacientes hospitalizados pelo novo coronavírus que ajuda a tratar, além das famílias e as próprias equipes de saúde. Nittla revelou que quando respiradores não podem salvá-los, mesmo que sejam um fator determinante entre a vida e a morte de alguns, as equipes médicas de todo o mundo precisam enfrentar decisões difíceis, como por exemplo, interromper o tratamento dessas pessoas.

“Desligar o respirador é um momento muito traumático e doloroso. Às vezes, sinto que sou um pouco responsável pela morte de alguém”, disse a enfermeira-chefe, que nasceu no sul da Índia e trabalha no NHS (o serviço público de saúde do Reino Unido) há 16 anos, como especialista em terapia intensiva. “O desligamento dos respiradores faz parte do meu trabalho”, afirmou a mulher de 42 anos à BBC.

Último pedido

Durante a segunda semana de abril, logo que Nittla entrou no trabalho em seu turno da manhã, o assistente da UTI disse que ela teria que interromper o tratamento para uma paciente com Covid-19.

Essa paciente também era enfermeira, e estava na casa dos 50 anos. Assim que soube do caso, Nittla conversou com a filha da paciente a respeito do processo. “Eu assegurei a ela que sua mãe não estava sofrendo e parecia muito confortável. Também perguntei sobre os desejos e necessidades religiosas de sua mãe”.

Os leitos na UTI são colocados lado a lado, e a paciente terminal estava cercada por outros que também se encontravam inconscientes. “Ela estava em um compartimento com oito camas. Todos os pacientes estavam muito doentes. Fechei as cortinas e desliguei os alarmes dos equipamentos”.

De acordo com ela, toda a equipe médica também ficou em silêncio. “As enfermeiras pararam de falar. A dignidade e o conforto de nossos pacientes é nossa prioridade”, disse Nittla. Ela então colocou o telefone ao lado do ouvido da paciente e pediu para que a filha dela falasse.

Para a enfermeira, aquilo foi somente um telefonema, mas que fez uma enorme diferença. A família da mulher queria realizar uma videochamada, mas lamentavelmente não foi possível, pois celulares não são permitidos dentro da UTI.

Após o pedido da família, Nittla então reproduziu um vídeo em um computador e depois desligou o respirador da paciente. “Sentei-me ao lado dela segurando suas mãos até que ela faleceu”.

A decisão de não dar continuação a todo auxílio e tratamento respiratório é tomada somente pelas equipes de saúde e após o caso ser analisado cuidadosamente, o que leva em conta fatores como a idade do paciente, condições de saúde subjacentes, resposta e chances de recuperação.

A paciente morreu cinco minutos após Nittla desligar o suporte do respirador. “Vi luzes piscando no monitor e a frequência cardíaca atingir zero. Linha plana na tela”. Sendo assim, ela desconectou os tubos que enviavam medicamentos para sedação.

A enfermeira ainda relatou que, sem saber, a filha da paciente ainda estava conversando com a mãe e fazendo algumas orações por telefone. Nittla, com o coração pesado, pegou o telefone para dizer que a mãe dela havia partido.

Para a profissional da saúde, seu dever de cuidado não para quando um paciente morre. “Com a ajuda de uma colega, dei-lhe um banho na cama e a envolvi em uma mortalha branca, depois a coloquei em uma bolsa para corpos. Fiz um sinal da cruz na testa antes de fechar a bolsa”, afirmou ela à BBC.

Nittla contou que nos dias de pré-coronavírus, a família conversava cara a cara com os médicos sobre o término do tratamento e que parentes próximos também podiam ir para dentro da UTI antes do desligamento de equipamentos que mantinham as pessoas vivas. Entretanto, com o aumento significativo do contágio da doença, isso não tem mais acontecido na maior parte do mundo. “É triste ver alguém morrer sozinho assim”, disse a enfermeira, que acha que dar assistência àqueles que morrem sob seu cuidado é a melhor forma de lidar com o peso disso.

Falta de leitos

Com o número considerável de internações e a superlotação, a UTI do hospital teve que ser ampliada de 34 para 60 leitos e todos eles estão agora ocupados. O espaço tem uma equipe de 175 enfermeiros trabalhando a todo o momento. “Normalmente, nos cuidados intensivos, mantemos uma proporção de um para um (uma enfermeira por paciente). Agora é uma enfermeira para cada três. Se a situação continuar a piorar, será uma para cada seis pacientes”.

Algumas profissionais de sua equipe estavam apresentando sintomas do vírus e agora estão em isolamento. O hospital está em treinamento para que outros enfermeiros de apoio trabalhem em cuidados intensivos. “Antes do início do turno, mantemos as mãos juntas e dizemos 'se proteja'. Ficamos um de olho no outro. Garantimos que todos usem luvas, máscaras e equipamentos de proteção adequadamente”, revelou Nittla.

Como enfermeira-chefe, às vezes ela precisa conter suas próprias inseguranças. “Tenho pesadelos. Não consigo dormir. Preocupo-me com o vírus. Converso com meus colegas e todos estão assustados”.

No ano passado, a profissional precisou ficar longe do trabalho por meses devido à tuberculose. Ela tem consciência de que sua capacidade pulmonar está comprometida. “As pessoas me dizem que eu não deveria estar trabalhando. Mas é uma pandemia; deixo tudo de lado e faço o meu trabalho”, afirmou.


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