17/01/2020 às 17h07min - Atualizada em 21/01/2020 às 11h38min

'Parasita' chega ao Oscar como o cinema coreano em sua melhor forma

Filme tem ganhado diversos prêmios pelo mundo

"Parasita" foi um dos grandes queridinhos dos críticos em 2019. Além de sair faturando alguns dos principais prêmios em alguns dos festivais de cinema mais cultuados do mundo, como o Palme d'Or (prêmio mais importante do Festival de Cannes), o novo trabalho do diretor e roteirista sul coreano Bong Joon-ho, despontou como um dos ganhadores do Globo de Ouro e chega como um dos grandes destaques do Oscar deste ano.

Um título mais do que merecido já que o filme é um primor estético e de narrativa, nos levando em uma jornada intrigante e emocionante por um dos temas favoritos de seu diretor: a crítica social.

O filme narra a história dos Ki, uma família de “picaretas” que vive nas mais baixas condições econômicas da sociedade coreana. Mas quando um dos filhos do casal recebe a oportunidade de trabalhar na casa de uma rica e influente família (os Park), o jovem logo dá início a um plano que pode “literalmente” tirar sua família do buraco.

Embora traga uma trama dramática, o roteiro de "Parasita" brilha pelo modo como flerta entre diversos estilos cinematográficos durante a sua narrativa, apresentando momentos de comédia, terror, suspense e até mesmo espionagem, quando a própria montagem e direção mudam seu estilo para retratar a execução de um dos planos da família Kim.

Uma proeza que prende o espectador na cadeira já que nunca realmente sabemos o que vai ocorrer na próxima cena e, principalmente, qual será a abordagem que Bong dará àquele momento.

Um exemplo perfeito desta abordagem está nas primeiras cenas do filme, quando conhecemos a condição social dos Ki, uma família que luta incessantemente com a pobreza, tentando usar os sinais Wi-Fi dos vizinhos, fazendo trabalhos de baixa rentabilidade e também pelo local onde eles vivem: um porão localizado um nível abaixo de um bairro pobre onde residem, o que mostra como eles estão abaixo até mesmo do nível mais baixo de vida na Coreia.

Uma abordagem que passa uma leve sensação de tristeza e melancolia pela situação daquela família carente, porém que é compensada pela abordagem do diretor, que retrata aquele grupo como pessoas que parecem lidar bem com as dificuldades que enfrentam e tentam usar cada situação a seu favor: como na cena em que aproveitam a dedetização urbana em proveito próprio, mesmo que isso possa prejudicar a saúde da família.

São estes momentos em que o roteiro e abordagem de Bong brilham, pois dão um dinamismo fora do comum ao filme, que apesar de tratar de temas extremamente complexos e dramáticos, nunca soa “pesado” ou excessivamente melodramático de se acompanhar.

Deste modo vamos apenas ficando cada vez mais interessados em descobrir como aquela família tentará sair da situação complexa em que está e, assim, conforme o filme avança, vamos sendo não só capturados pela trama, mas pelo modo como "Parasita" conta muito sobre seus personagens apenas com as imagens que estamos vendo em tela.

As informações estão em cada quadro e fazem parte de uma construção metódica para a narrativa do filme, como o momento em que conhecemos a casa dos Park, quando as cores da mansão ganham logo a projeção, mostrando o requinte do local em que aquelas pessoas ricas vivem e até o modo como eles se vestem mostra a relação deles com aquele ambiente.

Enquanto a dona da casa e a governanta vestem roupas cujas cores parecem se mesclar a usada na residência, mostrando que são elas as responsáveis por aquele lar, por outro lado, o pai da família Park usa apenas algumas poucas peças com um tom harmônico com a casa, mostrando sua pouca familiaridade com aquele local por estar sempre no trabalho.

O figurino do filme é usado exatamente para retratar também a distância social que existe entre os Ki e os Park, pois enquanto uns vestem roupas muito bem cortadas e harmônicas, os outros usam roupas largas e baratas, o que evidencia ao espectador o seu nível social, mesmo que os jovens tentem passar a imagem de serem estudantes bem-sucedidos e de vidas promissoras.

Informações que são extremamente importantes para a construção do filme, que busca sempre retratar o abismo econômico e social existente entre as duas famílias, seja através das situações em que ambos passam, como também através do modo como são enquadrados em tela, onde são usados planos fechados para retratar a casa dos Ki, acentuando o local pequeno onde vivem, enquanto o diretor abusa de planos mais abertos para descrever grandiosidade e beleza da casa dos Pam, levando o espectador por um passeio naqueles ambientes cheios de requinte e classe.

Centro da projeção a Mansão dos Park é o cenário mais importante do filme, não só por ser o local onde a maioria das cenas se passam, mas também porque ele é um ponto de referência muito grande para evidenciar a diferença entre as duas famílias. Não é à toa, por exemplo, que os Ki precisam subir muitas ruas para chegar à casa da família rica, fato evidenciado em uma das cenas mais marcantes do filme, onde a fotografia já impecável alcança novos níveis de beleza e significado ao mostrar uma situação onde toda a família precisa descer por todo o caminho de volta até sua casa.

Deste modo a mansão passa a não ser apenas um local físico, mas também o objetivo dos membros da família Ki, que veem aquele local como um ponto onde podem fugir da vida em que levam, mesmo que para isso tenham que enganar outra família.

Porém mesmo mostrando toda esta diferença entre seus núcleos de personagens, um dos pontos mais geniais de "Parasita" é o modo como, além de surpreender, ele constantemente subverte a expectativa do espectador. Apesar do óbvio crime cometido pelos membros da família Ki contra seus patrões, que são constantemente enganados, o filme nunca retrata aqueles quatro indivíduos com aspectos vilanescos, mostrando um grupo de pessoas que genuinamente se importa uns com os outros e que em alguns momentos mostram certo arrependimento pelo que suas ações possam causar a outras pessoas, tomando atitudes maquiavélicas como forma de escapar da situação de extrema pobreza em que se encontram.

Por outro lado, é a família rica que mais recebe aspectos negativos por parte do roteiro, com seus filhos mimados, sua esposa fútil e preocupada com suas próprias necessidades, além do marido preconceituoso e arrogante, em um núcleo que abusa principalmente daqueles que consideram serem pessoas de nível social mais baixo.

Aspectos que se encaixam no próprio tom de crítica social que o filme traz, com personagens complexos que são completamente influenciados pela situação social do país em que vivem, em um roteiro que estabelece um dilema contraditório a quem assiste o filme. Por um lado, os Ki enganam uma família rica para ascenderem social e economicamente, enquanto por outro ponto de vista, eles são constantemente explorados pelos seus patrões, que necessitam deles para resolver todos os seus caprichos ou dos seus filhos.

Assim o filme estabelece o seu título não como uma afirmação taxativa, mas como uma reflexão sobre quem está parasitando quem. Uma reflexão que está presente em diversos pontos no roteiro do filme, que chega a abordar esta disputa entre classes de forma explícita em alguns momentos, como no que um personagem diz: "Ela é tão rica e ainda assim tão legal", apenas para receber a resposta "Ela é legal porque é rica".

Mas não satisfeito com esta abordagem, Bong aplica mais elementos a sua fórmula, quando seu filme migra do tom dramático e um tanto cômico para uma abordagem mais tensa e de suspense a partir da metade do filme, inserindo mais um elemento a uma equação cada vez mais complexa e que coloca o espectador preso na cadeira com um único pensamento: “O que raios acabou de acontecer? Tá bom, desisto de tentar adivinhar o que vai acontecer, vamos ver onde isso vai dar”.

Em um mundo onde a Coreia se vende como um centro de modernidade, com seu primor tecnológico e sua música K-Pop de sucesso, são trabalhos como o de Bong Joon-ho que se mostram importantes para conhecermos a realidade de um país que vai muito além do glamour que é vendido para o mundo.

O diretor tem predileção por obras que exponham críticas sociais e o modo corajoso como expõe as fraquezas do sistema social de sua terra nata torna não apenas sua obra verdadeira, mas também reconhecível por milhares de pessoas que veem esta realidade presente também em seus países, como o próprio Brasil.

"Parasita" não é um filme incrível apenas pela profundidade espantosa de seu roteiro, o seu primor técnico ou pela força de um elenco que consegue nos apresentar personagens intrigantes e complexos, mas pelo modo como sua história humana denuncia a realidade de tantos e provoca a reflexão de uma sociedade que precisa ouvir a mensagem que ele se propõe a passar.


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