04/02/2019 às 09h20min - Atualizada em 04/02/2019 às 00h00min

O Herói improvável

Por Andrea Voute
Foto divulgação

Cada segundo dedicado a ler os livros de Cressida Cowell e assistir os filmes e seriados da Dreamworks compensa, eles conseguem lançar novidades sem perder a qualidade. Explorando novas ilhas e novos dragões, essas são suas aventuras favoritas e nossas também! As animações são lindas e dinâmicas, com paisagens deslumbrantes e rica trilha sonora. Alguns detalhes marcantes destaquei a seguir.

Tudo começa em Berk, uma aldeia viking em uma ilha nórdica no meio do nada. A ilha tinha poucos recursos por limitações geográficas como neve e granizo e limitações da época em que a história se passa. O povo pescava e caçava, mas sofria constantes ataques de dragões que roubavam ovelhas e peixes, provocando incêndios e mutilando ou até matando pessoas. Soluço é o personagem principal, ele recebeu esse nome viking para espantar gnomos e trolls.

GUERRA x PAZ

Os vikings viviam em guerra com os dragões e gostavam disto, quando não tinham com quem brigar brigavam entre si. Eles construíam e usavam vários tipos de arma como lanças, catapultas, machados, espadas, escudo, boleadeira. Os vikings acreditavam que os dragões eram inimigos mortais que deveriam ser combatidos e eliminados em lutas brutas.

A mãe de Soluço achava que a paz era possível e a guerra só piorava tudo, mas isso não era uma opinião muito popular. “Um dia um dragão entrou em nossa casa e o que eu vi foi uma prova de tudo o que eu acreditava. Não era uma besta, mas uma criatura gentil e inteligente, cuja alma refletia a minha.”

Soluço nunca teve ódio dos dragões e se recusava a lutar com eles. “Eles mataram centenas de nós e nós matamos milhares deles, estão só se defendendo.” Ao longo da história, os dragões passaram de pestes a pets e passaram a lutar por eles, contra os caçadores de dragões. “Com os vikings montados nos dragões, o mundo ficou muito maior.”

IDENTIDADE

Soluço era desajeitado e desastrado, não tinha muita coordenação motora e se metia em muitos problemas sem querer.  Sofreu bullying a vida toda e queria pertencer, ser aceito pelo grupo e pelo pai. Ele demorou a se conhecer e a descobrir quem realmente era. “Sinto muito, pai. Eu não sou o líder que você queria que eu fosse nem sou o pacificador que eu pensei que fosse.” Soluço agiu como a mãe sem ter convivido com ela. Quando finalmente a reencontrou, compreendeu muita coisa sobre a sua natureza. A empatia pelos dragões, o gosto pela liberdade de voar, a defesa da paz. “Agora sabemos de onde vem minhas extravagâncias.”

DRAGÕES

São muitos tipos de dragões que a imaginação humana criou para povoar essas histórias e os todos eram realmente poderosos, perigosos e ameaçadores. Mas ao mesmo tempo podiam ser fieis e carinhosos. Segundo Soluço, “Depois que você ganha a lealdade dele, não há nada que um dragão não faça por você.”

Soluço tentou pegar um dragão para provar seu valor ao pai e capturou o raríssimo Fúria da Noite. Ao encontra-lo, não conseguiu matá-lo e o soltou “ele estava tão assustado quanto eu, eu me vi nele”. Fabricou uma prótese para a parte perdida da cauda e domou o dragão para voar com ele. Soluço e Banguela eram amigos e cúmplices, depois toda a turma desenvolveu o mesmo, cada um com seu dragão.

Soluço amava tanto o seu dragão que em muitos momentos abriu mão de suas vontades e necessidades para o bem do Banguela. Por ele, Soluço enfrentou seu próprio pai e muitos caçadores, comeu peixe babado, além de outros sacrifícios que fizeram todos chorar como crianças no último filme (não queremos spoiler do 3 né?). Sempre tentava proteger e defender o Banguela.

ACEITAÇÃO E RESPEITO

Soluço era introvertido e cultivava o diálogo e o respeito. A equipe era bastante diversa e todos tinham espaço e se entendiam sem preconceito. Os gêmeos de inteligência limitada, o gordinho medroso, a menina insensível e o egoísta impulsivo. Apesar de discutirem e brigarem, valorizavam muito a amizade. Todos aprendiam mais a cada aventura e assim aumentava a sinergia entre eles. O apoio da mãe e da namorada Astrid foi fundamental.

Soluço perdeu parte de uma perna defendendo o povo de Berk em sua primeira grande luta, quando finalmente ganhou o respeito do pai. Nessa luta todos aceitaram o Soluço como um novo tipo de líder e os dragões como aliados. Depois se adaptou bem à prótese que Bocão fez para ele e voltou a voar no “seu” dragão. Com o tempo a autoestima de Soluço foi aumentando e ele assumiu a liderança mais seguro de si.

COMPREENSÃO E CONHECIMENTO

Soluço estudou os dragões com paciência em teoria e prática. Observou o comportamento do seu dragão e aprendeu a lidar com os outros baseado nisto. Descobriu os medos, os carinhos que gostavam, os segredos destes misteriosos animais.

Quanto mais ele conhecia mais ele se apaixonava pelos dragões. “Tudo o que sabemos sobre vocês está errado.” Ele usava a mente e os outros usavam a força bruta. Ele era estratégico e planejava o treinamento baseado em evidências. Aos poucos foi mostrando aos amigos como era incrível voar e provou ao pai que os dragões não eram maus.

Soluço era criativo, tinha aptidão para usar as ferramentas, era engenhoso e construiu equipamentos e armas que os ajudavam no dia-a-dia e nas guerras. Ele mapeou ilhas antes desconhecidas e fez novas alianças com povos distantes.

LIDERANÇA

Herdar de Stoico – o imenso – o posto de líder da aldeia era o destino do Soluço, com o qual não se identificava. “Ser o líder não tem nada a ver comigo, fazer discursos e planejamento da aldeia.” O estilo de liderança do filho era completamente democrático e cooperativo. Havia competições e conflitos, mas todos acabavam se entendendo.

Soluço discute com o caçador Drago Sangue Bravo questionando o motivo de todas aquelas mortes e destruição, se era só para governar o mundo. Drago se vangloria por dominar o dragão Alpha e com isso os outros dragões, ele diz que o verdadeiro poder é o poder sobre a vontade dos outros. Soluço contesta afirmando que o verdadeiro líder protege a todos.

QUESTIONAR x OBEDECER

O pai não respeitava a vontade dele e nunca deixava ele falar. Inúmeras tentativas de conversa por parte do Soluço foram interrompidas e ninguém o ouvia. Soluço foi pressionado para matar dragões a vida toda, sem concordar com isso. Na primeira animação – Como Treinar o seu Dragão (2010) – Soluço tinha 13 anos quando domou Banguela. Em 300 anos foi o primeiro viking que se recusou a matar um dragão e foi o primeiro a montar em um.

Todos seguiam o destino sem questionar, ele não. Soluço era teimoso, rebelde e fugia toda hora. Tentava negociar com diplomacia e diálogo gentil, mas não era muito bom com as palavras. Com ações conseguiu provar o seu ponto de vista sobre a paz e sobre os dragões.

FORÇAS E FRAQUEZAS

Soluço era magrelo, fraco e distraído, um herói improvável e nada que lembre um líder. Mas tinha a resiliência e a teimosia dos vikings. Ele adorava aventuras e não tinha medo da guerra, só não queria matar dragões. Confundiam esta recusa com uma covardia, mas não era medo, era compaixão.

Há uma boa dose de tentativa e erro e improvisações nas batalhas. Novos inimigos, novos caçadores, novas ilhas e principalmente novos dragões. O povo de Berk tem que sobreviver e defender os animais enfrentando perigos reais sem tempo de planejar. As adversidades naturais somam-se aos imprevistos vindos dos próprios habitantes de Berk e povos que eles conhecem, especialmente no seriado.

Tudo isso é tratado com uma serenidade surpreendente por Soluço e sua turma. (Lembra um pouco Tim dos Caçadores de Trolls.) Eles agem naturalmente, lidam com a vida em um clima de bom humor contagiante. Usam bem os poucos recursos que possuem, inclusive material dos próprios dragões. Migram quando necessário, adaptam-se às novas condições, assumem responsabilidades, respeitam a natureza (bem, exceto por alguns detalhes como catapultas de ovelhas). As histórias estimulam nosso espírito de aventura.


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