01/12/2014 às 13h50min - Atualizada em 01/12/2014 às 13h50min

Homenagem a Synesio de Paula Santos

Texto e Foto: Sílvia Mello
Texto e Foto: Sílvia Mello

O Jornal da Economia publica hoje, uma homenagem à Synesio de Paula Santos, que teve intensa participação na sociedade são-roquense, igreja católica, São Roque Clube e política, com uma entrevista concedida em 1999, que faz parte de uma reportagem sobre as repercussões do Golpe Militar de 1964, para a revista São Roque, Três Décadas de Conquistas, editada pela jornalista Silvia Mello, a qual entrou em contato com a redação, nos enviando a matéria que você pode conferir abaixo:

 

PARA SYNESIO, JOÃO GOULART FOI DEPOSTO PELAS QUALIDADES DE SEU GOVERNO

“Fomos levados na madrugada por militares e na madrugada fomos soltos, como se fôssemos cães vadios.”

“O João Goulart queria a reforma agrária em 1964 e trinta e cinco anos depois, ainda se discute isso”  (Synesio de Paula Santos)

Como foi o processo político anterior ao Golpe Militar de 1964, em São Roque?

Synesio de Paula Santos: Nós, em São Roque, quando Mário Luiz ainda era prefeito, tínhamos um ideal de moços. Nós nos reuníamos e queríamos o melhor para o nosso país. Então, nós criamos em São Roque a Frente de Mobilização Popular, que era um trabalho aberto, convidávamos todos, fazíamos reuniões no Cine Central. Nós convidávamos autoridades e trazíamos elementos de proa do cenário nacional. Paulo de Tarso, Ministro da Educação, chegou até a vir Franco Montoro, que na época era Ministro do Trabalho. E era esse o nosso trabalho para que o povo soubesse o que se passava no país.

Como o senhor vê o movimento de reação da direita às reformas de base?

S.P.S.: No país todo, a direita se movimenta contra, sempre que há qualquer coisa de interesse para defender o povo. Mas, na época, existia o espectro do comunismo, então tudo o que se relacionava à melhoria do povo, eles atribuíam ao comunismo. Basta dizer quantos elementos da Igreja, do cenário político, do comércio, todas as pessoas, enfim, que defendiam posições de progresso, de melhoria para o povo, o seu trabalho era taxado de “arte de comunista”. Assim, eles falavam “arte”, como se fosse uma coisa diabólica. Basta dizer que eles conseguiram envolver parte da sociedade na chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. E, na verdade, quando venceram, trouxeram para o país essa situação de obscurantismo, de ditadura por trinta anos, que atrasou nosso país, posso quase que dizer que por uma centena de anos. Haja vista o que nós estamos vivendo agora com o acréscimo de pobreza. Tudo isso é reflexo daquela época.

Como vereador, em 1964, qual a direção dada a sua atuação na Câmara, nos meses em que exerceu o mandato?

S.P.S.: Na época, era editado o jornal “Brasil Urgente”, pelos freis dominicanos. Este jornal defendia as causas do povo. Então, nós, eu e o Zito Garcia, líamos esse jornal na tribuna da Câmara. Quando o “Brasil Urgente” completou um ano, eu apresentei um requerimento para cumprimentá-lo por essa iniciativa, por esse trabalho e foi aprovado por unanimidade.

 Eu e o Zito apresentamos na Câmara votos de congratulações para o Presidente João Goulart que queria, já naquela época, fazer com que a gasolina fosse distribuída pela Petrobrás, que então só extraía o petróleo, mas o lucro ia para companhias estrangeiras. E agora estão entregando tudo outra vez aos estrangeiros.

Como vereador, eu levava e discutia na Câmara o conteúdo da encíclica “Mater et Magistra” do saudoso Papa João XXIII.

Naquela época, o Paulo Freire, esse eminente educador, tinha um programa de alfabetização para adultos. Nós aqui de São Roque nos reunimos e fomos fazer o curso em São Paulo. Fui eu, minha mulher Augusta, a Maria Inês, esposa do Zizi, e nós implantamos esse projeto em São Roque. Começamos o trabalho de alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire que, diga-se de passagem, foi muito combatido e hoje tentam reavivá-lo, pois foi uma grande injustiça o que fizeram com esse grande patriota que foi Paulo Freire.

Em 1964, o senhor teve seu mandato de vereador cassado, juntamente com o do vereador Zito Garcia. Como o senhor vê a atitude da Câmara Municipal de São Roque de votar favoravelmente à cassação, por unanimidade?

S.P.S.: Foi uma atitude assolada do pessoal aqui, numa vontade de puxar o saco dos mandantes do país naqueles dias. Eles se reuniram sem a nossa presença, porque nós estávamos presos pela polícia civil e cassaram os nossos mandatos. Até hoje, muitos se arrependem desse ato intempestivo que eles tiveram.

Com relação às prisões, o que o senhor tem a dizer?

S.P.S.: Bom, uma pessoa ser presa por ter idéias, isso já é a maior afronta à liberdade. Acho que isto diz tudo. Eles afrontaram a liberdade, prenderam pessoas, e outras até torturaram e mataram porque defendiam uma idéia, alguma coisa de melhor para o seu país. Eles tinham que vir para a mesa de debates, vamos conversar, vamos ver quem está com a razão. Não assim, com arbitrariedade, tirar a liberdade das pessoas. Basta dizer que nós, eu, Zito, Mário Luiz e Niasi e mais alguns outros, fomos presos em 1964, e em 1970, às duas horas da madrugada, vieram militares, bateram na casa de Mário Luiz, Niasi e na minha e nos levaram presos para Itu. Sem comunicar à família onde estávamos, ficamos detidos quinze dias incomunicáveis. Assim como fomos levados, na madrugada, também fomos soltos, na madrugada, em São Roque, como se fôssemos cães vadios, sem explicação, sem um pedido de desculpas, porque achavam que algum movimento estava sendo programado.

Eu gostaria de acrescentar que a ditadura foi implantada no Brasil, não pelos defeitos que havia no governo João Goulart e sim pelas qualidades. O João Goulart não foi deposto pelas atitudes que ele teria contrárias aos interesses da nação e sim pelas atitudes favoráveis. Ele queria as reformas de base, a reforma agrária, que até agora nós lutamos por ela, haja vista o Movimento dos Sem Terra hoje que, escorraçados de suas terras, vivem na periferia, na maior miséria, com as terras concentradas nas mãos de grandes latifundiários, ficando os pequenos produtores sem nada. O João Goulart queria a reforma agrária já em 64 e nós estamos em 1999, trinta e cinco anos depois ainda se discute isso. Foi por essas razões que a ditadura militar foi implantada no país.

 

Sílvia Mello é jornalista, escritora, pesquisadora da histórica da cidade de São Roque e produtora cultural.


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